Traduzir-se

Traduzir-se (Ferreira Gullar)

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim

é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim

pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim

almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim

é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte

na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótimo!

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