Amor, liberdade e devaneios de final de maio

Ser livre custa caro pra caramba. Se é que a liberdade é algo possível...

Cada vez que penso sobre este tema (e isso acontece quase todo dia), me lembro do polonês Zygmunt Bauman, para quem a relação entre liberdade e segurança é um pêndulo na história da civilização. Segundo ele, esta relação é precisamente o que constitui a civilização: a busca pelo equilíbrio entre segurança e liberdade. E ainda, até hoje nenhuma sociedade conseguiu atingir esta harmonia - provando tal dilema como sem solução.



E me convenço cada vez mais que as pessoas vão se metendo em verdadeiras furadas por causa da necessidade fortíssima de se sentirem seguras.

Julieta Venegas chega neste momento do post para embalar o resto da leitura. :)

He estado escuchando hoy
sin realmente escuchar
más bien solo pensando hasta donde llega
lo que llamamos libertad

Si es andar saltando de una estrella a otra
o es nadar al río y llegar hasta el mar
¿hasta dónde llega lo que llamamos libertad?

Hacer lo que en verdad sentimos
y sentir lo que hablamos
rendirá nuestras almas su propia
y justa y libre libertad, libertad



Complicado, não?

No que se refere ao amor então... um festival de confusões. E um lamaçal de desilusões e de sofrimento, diria eu, algumas vezes desnecessários. Por que associar os sentimentos que temos uns pelos outros a padrões de relacionamentos? Que necessidade estranha é essa de rotular tudo, de controlar e de cobrar? E por que (Why, God, Why?) a amizade (leia-se tudo aquilo que não conseguimos encaixar na estranha definição de "relacionamento amoroso") é tão subestimada pelas pessoas? 

Gente, a amizade é uma coisa linda! Que raro termos afinidades verdadeiras com outras pessoas! Lembram daquele texto perfeito de Artur da Távola, onde ele dizia que 

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, 
delicado e penetrante dos sentimentos. 
E o mais independente. 
Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, 
as distâncias, as impossibilidades. 
Quando há afinidade, qualquer reencontro 
retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto 
no exato ponto em que foi interrompido. 

Afinidade é não haver tempo mediando a vida. 
É uma vitória do adivinhado sobre o real. 
Do subjetivo para o objetivo. 
Do permanente sobre o passageiro. 
Do básico sobre o superficial. 

Ter afinidade é muito raro. 
Mas quando existe não precisa de códigos 
verbais para se manifestar. 
Existia antes do conhecimento, 
irradia durante e permanece depois que 
as pessoas deixaram de estar juntas. 
O que você tem dificuldade de expressar 
a um não afim, sai simples e claro diante 
de alguém com quem você tem afinidade. 

Afinidade é ficar longe pensando parecido a 
respeito dos mesmos fatos que impressionam comovem ou mobilizam. 
É ficar conversando sem trocar palavras. 
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento...

Afinidade é sentir com. Nem sentir contra, 
nem sentir para, nem sentir por. 
Quanta gente ama loucamente, 
mas sente contra o ser amado. 
Quantos amam e sentem para o ser amado, 
não para eles próprios. 

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo. 
É olhar e perceber. 
É mais calar do que falar, ou, quando falar, 
jamais explicar: apenas afirmar. 

Afinidade é jamais sentir por. 
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo. 
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar. 
Compreende sem ocupar o lugar do outro. 
Aceita para poder questionar. 
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar. 

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças. 
É conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas, 
quanto das impossibilidades vividas. 

Afinidade é retomar a relação no ponto em que 
parou sem lamentar o tempo de separação. 
Porque tempo e separação nunca existiram. 
Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida, 
para que a maturação comum pudesse se dar. 
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, 
cada vez mais a expressão do outro sob a 
forma ampliada do eu individual aprimorado.


E que lindo quando descobrimos afinidade com outras pessoas! Mas, por que isso tem que se converter em alguma coisa que precisa ser definida, controlada e rotulada? Alguns diriam: "mas não é amizade, tem algo a mais." E por que a afinidade seria algo menos importante? E esse algo mais que as pessoas querem acreditar que existe não seria uma expectativa criada, uma tentativa de encaixar este sentimento em algum tipo de definição para que ele se converta numa "relação amorosa"? 

Sei lá... o intuito do post não é compartilhar nenhuma epifania. Aliás, cada um de nós sabe da nossa própria vida, certo?

É que realmente às vezes é cansativo ver pessoas queridas sofrendo por causa dessas relações construídas em cima de ilusões, de expectativas, de medos. E por causa de ciúmes... Sugestão: Leiam mais Emma Goldman. Mas leiam de peito aberto. Vale a pena. 

Não nego minha profunda admiração pelas pessoas que tem a coragem e a maturidade de saber estar só. Só no sentido de não sentirem necessidade de encaixar o que sentem em padrões de relacionamento. 

É incrível ver pessoas passarem décadas dando murro em ponta de faca. A faca de uns é o suplício de uma relacionamento do qual não sabem como sair. Para outros, é ficar pulando de relacionamento em relacionamento, como se o problema estivesse nas pessoas com quem se relacionam ou nelas próprias. Mas na verdade, não há problema. O que existe é uma expectativa que ninguém tem obrigação de atender.

O ser humano é tão tão complexo que a probabilidade das pessoas conseguirem atender à expectativa de acertar nas relações é baixíssima. Mas ainda assim, a maioria da população passa a vida fazendo o possível e o impossível para se enquadrar em alguma coisa.

Por que este medo danado da solidão? Como se estar ao lado de alguém significasse estar em companhia. Ou boa companhia. 

Certa vez, o escritor espanhol Federico García Lorca escreveu: "La soledad es la gran talladora del espíritu". Eu, particularmente, concordo em gênero, número e grau com esta frase. E acho engraçado - para não dizer triste - ver como as pessoas tem medo de estar sozinhas, como se isso fosse sinônimo de fracasso ou de infelicidade.

Sim, estar só é assustador (e viver só é caro e cansativo também. Sem contar o medo de um dia precisar de ajuda e não saber a quem recorrer). Mas esta é apenas uma das facetas da solidão. Estar só é estar consigo mesmo, é uma oportunidade de se conhecer cada vez mais e de buscar serenidade para lidar com as intempéries da vida, pois elas surgem a cada instante. E é aprender a aceitar os outros como são. É aprender a compartilhar o que temos de melhor, ao invés de despejarmos nossas inseguranças nas pessoas e esperar que elas resolvam vários dos nossos problemas. É aprender a cuidar com carinho e dedicação dos nossos mais profundos sentimentos, pois eles merecem sim ser regados e tratados com amor (Isso me lembra uma frase que um grande amigo costumava repetir sempre: quanto melhor eu for, melhor serei para quem amo ou protejo).

E saber estar só é estar em busca de ser o melhor que podemos, ainda que para muitos o que eu estou escrevendo aqui seja uma verdadeira loucura. 

Alguém me perguntou um dia: qual o problema em estar com outra pessoa? Isso não é problema. O esquisito é o esforço tremendo em definir as relações e o medo delas caminharem para uma direção diferente da que gostaríamos. Acho que a pergunta é: quem disse que estar só é abrir mão dos sentimentos - e tudo que daí vier em consequência -  que temos pelas outras pessoas? 


Se o meu amor for neurótico, se for possessivo e doentio, 
eu só poderia ensinar às pessoas um amor 
neurótico, possessivo, doentio... 
Se o meu conhecimento por alguma coisa for vasto 
e interminável, posso lhes dar isso. 
Assim, minha responsabilidade para comigo 
é tornar-me enorme, cheio de conhecimentos, cheio de amor, 
cheio de compreensão, cheio de experiência, cheio de coisas belas, 
de modo que posso dar isso às outras pessoas... 
~ Leo Buscaglia


Não vejo muito sentido esse desespero em querer situar as relações entre as pessoas - e que são de infinitas cores, sabores, nuances e possibilidades - no tempo e no espaço, como se isso pudesse ser guardado numa garrafa de vinho. E como se fossem processos imutáveis. Menos sentido ainda é o sofrimento de alguns que passam a vida tentando aparar as relações para que elas se encaixem em determinados padrões.

Sei que minha forma de pensar não tem pé nem cabeça para um monte de gente que eu conheço e com quem já tive a chance de conversar. 

Mas hoje deu uma vontade enorme de anotar um pouco sobre o que eu penso e indicar este texto de Rodolfo Ruiz Reed, o qual me parece bastante sensato.

"Por esto de liberar al amor de estas instituciones, 
es que esta práctica es mal vista en la sociedad 
de todas las épocas, pero es por el desconocimiento o
 ignorancia de lo que realmente significa el amor libre." 

Não poderia terminar o post sem lembrar do que o genial Khalil Gibran escreveu em "O Profeta":

"O amor só dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.
O amor não possui
nem quer ser possuído.
Porque o amor basta ao amor.
E não penseis
que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos escolher,
marcará ele o vosso curso."

E sem mencionar este texto perfeito do filósofo Huberto Rohden:

Adeus, alma querida...

Se, no caminho do teu Saara, encontrares uma alma que te queira bem, aceita em silêncio o suave ardor da sua benquerença - mas não lhe peças coisa alguma, não exijas, não reclames nada do ente querido.
Recebe com amor o que com amor te é dado - e continua a servir com perfeita humildade e despretensão.
Quando mais querida te for uma alma, tanto menos a explores, tanto mais lhe serve, sem nada esperar em retribuição.
No dia e na hora em que uma alma impuser a outra alma um dever, uma obrigação, começa a agonia do amor, da amizade.
Só num clima de absoluta espontaneidade pode viver esta plantinha delicada.
E quando então essa alma que te foi querida se afastar de ti - não a retenhas.
Deixa que se vá em plena liberdade.
Faze acompanhá-la dos anjos tutelares das tuas preces e saudades, para que em níveas asas a envolvam e de todo mal a defendam - mas não lhe peças que fique contigo.
Mais amiga te será ela, em espontânea liberdade, longe de ti - do que em forçada escravidão, perto de ti.
Deixa que ela siga os seus caminhos - ainda que esses caminhos a conduzam aos confins do universo, à mais extrema distância do teu habitáculo corpóreo.
Se entre essa alma e a tua existir afinidade espiritual, não há distância, não há em todo o universo espaço bastante grande que de ti possa alhear essa alma.
Ainda que ela erguesse voo e fixasse o seu tabernáculo para além das últimas praias do Sírio, para além das derradeiras fosforescências da Via-Láctea, para além das mais longínquas nebulosas de mundos em formação - contigo estaria essa alma querida...
Mas, se não vigorar afinidade espiritual entre ti e ela, poderá essa alma viver contigo sob o mesmo teto e contigo sentar-se à mesma mesa - não será tua, nem haverá entre vós verdadeira união e felicidade.
Para o espírito a proximidade espiritual é tudo - a distância material não é nada.
Compreende, ó homem - e vai para onde quiseres!
Ama - e estarás sempre perto do ente amado...
Em todo o universo... Dentro de ti mesmo.

(Texto extraído do inspirado livro “De Alma Para Alma”, do genial filósofo brasileiro Huberto Rohden – Editora Martin Claret.



Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails